6/04/2009

O iPhone de R$ 300




Vendo iPhone, interface touch, 16GB de memória, dual chip, duas câmeras, roda programas em Java, pega TV e rádio, reconhece escrita, toca MP3, MP4, MP5, MP6, MP7, MP8 e MP9. R$ 300. Em dinheiro ou cartão de débito.
Quer comprar?








Por Heinar Maracy

Opa, me vê um já. Não tem caixa, mas e daí? Por 300 pilas, tá valendo. Sempre quis ter um iPhone, mas pagar dois barão e ainda morrer com quase R$ 200 por mês de plano de voz e dados é muito para um pobre geek assalariado. Pego o bicho, boto o meu SIM Card pré-pago (olha só, cabem 2!) e começo a me maravilhar com a interface consagrada mundialmente que mudou o mundo dos celulares.



Você passa os dedos e os ícones rolam para mostrar outros programas. Às vezes ela emperra, mas deve ser porque eu não peguei a manha ainda. Admiro o logo da maçã atrás, acima de “iPhone 16GB” "kkkkk" e do texto “Designed by Apple in California, assembled in China”. Hmm.. os botões laterais são meio toscos. A Apple já foi melhor…Eis que deparo com uma estranha protuberância no topo. Canetinha? Mas o lance do iPhone não é usar o dedo? Puxo a tal caneta e ela não para de subir, subir. Uau, é uma antena! Dessas de radinho de pilha!
Aí começo a usar o bicho e percebo que tem algo estranho. Os ícones, quando observados atentamente, parecem ter sido desenhados no Flash por um estudante de desenho técnico. O tal do touchscreen é meio difícil de usar, às vezes preciso clicar duas ou três vezes para abrir um programa. Os programas são meio complicados de usar. E tem TV! Mas só pega o Shoptime com chuvisco. O rádio FM também não funciona direito, mesmo com a antena quilométrica esticada. Já começo a achar que 300 pilas foi grana demais.
É meus amigos, comprei um HiPhone, um legítimo produto da pirataria de hardware chinesa. Por fora, é idêntico ao original, mas basta tentar usar o aparelho para perceber que falta uma parte importante: a funcionalidade. É como uma cidade cenográfica ou um cenário de novela mexicana. Está tudo lá, mas quando você tenta pegar um livro na estante, percebe que é apenas um bloco de isopor com lombadas aplicadas. Tem calendário, álbum de fotos, câmera e várias funções que o iPhone não tem. Mas basta tentar usar para ver que nada funciona como deveria, a não ser que suas expectativas sejam muito baixas.
Para compensar, ele traz várias funções que não existem no aparelho da Apple, a começar por permitir o uso de dois chips, uma opção cada vez mais popular por permitir que você fuja das tarifas exorbitantes das operadoras, que para atrair usuários fiéis permitem ligações mais baratas ou grátis para números da mesma operadora. O HiPhone também tem sintonizador de TV, mas quando você vira a tela (clicando num botão porque acelerômetro é CDV) a imagem fica piscando como uma TV da década de 60. Ah sim, o sintonizador é de TV analógica ( “Anology TV”, como se diz em chinês.), nada dessa frescura de TV Digital de celular moderno.
A câmera do HiPhone consegue ser pior que a do iPhone, reconhecida como uma das câmeras mais vagabundas entre os smartphones de hoje em dia. Em compensação, você pode fazer lindas fotos com decoração de Natal. O difícil é tirá-las sem a moldura. Dá para gravar vídeos que passam a estoantes 24 segundos por quadro e áudio que não dá para ouvir o som na reprodução.
Você pode odiar a Apple de paixão, mas uma coisa tem que dar o braço a torcer: ela sabe fazer uma boa interface. No mundo da tecnologia, talvez só o povo do Google seja capaz de peitar os programas da Apple nos quesitos intuitividade, beleza e usabilidade. O HiPhone é exatamente o oposto, parece que tudo nele foi meticulosamente bolado para frustrar o usuário. Qualquer coisa que você queira fazer leva pelo menos três cliques ou mais em menus modais. Por exemplo, para ver uma foto você clica no álbum de fotos, depois no thumbnail da foto em uma lista, depois no menu View para finalmente ver a foto. Coisa de chinês.
Na China, a pirataria de hardware é um orgulho nacional. Aparelhos com marcas como VAIC, Nokla, Suny são vendidos ostensivamente como forma de dizer “sou comunista, não tou nem aí para seus direitos de propriedade”. Existe até um nome para esse tipo de produto: Shanzai, que originalmente designava fortalezas em montanhas onde bandidos rebeldes desafiavam o governo central, mais ou menos como as favelas cariocas.
Fiz um teste com o meu único amigo chinês, Min Koon Kang, professor de Tai Chi e Kung Fu. Mostrei o aparelho para ele dizendo que era o mais novo modelo de iPhone lançado pela Apple. Min tem um iPod nano e um PowerBook G4. A primeira coisa que perguntou foi se ele tinha 32GB, porque acha 16GB pouco (não contei pra ele que apesar dos 16GB escritos nas costas, o HiPhone tem só 2GB de memória). Min adorou a TV embutida, os dois chips, achou a interface meio estranha, mas levaria o aparelho por módicos 350 reais se eu não tivesse um rompante ético e confessasse que aquilo era uma cópia pirata fuleira.
O fato é que o Shanzai prova que é posível fabricar um hardware igual ao criado por boutiques tecnológicas (ou melhor, dependendo do seu ponto de vista) e vendê-lo por um décimo do preço. Basta não pagar por propriedade intelectual, desenvolvimento de software, inovação, marketing, qualidade e outras frescuras capitalistas. Existe mercado para isso, da mesma forma que existe para bolsas Louis Vuitton chinesas que rasgam no primeiro passeio. Vale a pena passar uma semana com um aparelho desses, para dar valor a empresas que gastam alguns milhões de dólares para fazer interfaces que nos poupam tempo e suor.
Só para não dizer que não falei algo de bom sobre o traste: sua bateria de polímero é uma das mais resistentes que eu já vi num celular. Resistiu a uma semana de teste bravamente. A Apple podia botar uma dessas no seu celular.
Poderia ficar horas escrevendo sobre a inusabilidade do iPhone, que piorou imensamente depois que eu mudei a linguagem para português (todos os botões OK viraram “Está bem” e back virou “verso”. Depois de uma semana de uso, uma linha branca de um pixel apareceu na tela de lado a lado e nunca mais saiu de lá. E o HiPhone foi para a gaveta.
Fonte: http://www.geek.com.br/